Ontem tive reunião com Norberto Presta, ator, diretor e dramaturgo, argentino radicado na Itália.
A partir de segunda-feira, Norberto irá conduzir o primeiro workshop do projeto. Ele decidiu chamar o trabalho que fará com a gente de ECOS.
Falamos muito e ele abriu várias janelinhas luminosas na minha cabeça. Grande sintonia com as as inquietações que motivaram este projeto.
Ele falou muito de uma página em especial do texto que lhe enviamos. Compartilho com vocês:
TEMA
“Na verdade, não sei por que estou tão triste”
O Mercador De Veneza, William Shakespeare
DA TRISTEZA
BASES PARA A CRIAÇÃO
A primeira fala da controversa peça de Shakespeare toca-nos particularmente: discorre sobre uma tristeza de causa desconhecida. Citando reportagem de Fernando Eichenberg: “Na Antigüidade greco-romana, médicos como Hipócrates (460-377 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) já faziam a distinção entre "distúrbio da tristeza sem causa" e "tristeza normal com causa". O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) definiu a melancolia, uma variante da tristeza, como "a felicidade do estar triste". Na definição enciclopédica de Diderot era "o sentimento habitual de nossa imperfeição". Em 1958, o cirurgião-geral L. E. Burney já alertava que "problemas do cotidiano" não podem ser "solucionados com uma pílula".
Se, durante séculos, o sofrimento teve algum valor ou sentido hoje parecemos estar imersos numa epidemia depressiva. De acordo com dados da OMS, no ano de 2020, a depressão será a segunda maior causa de incapacitação para o trabalho (atrás somente das doenças cardíacas). Nos EUA, uma em cada oito crianças é diagnosticada como depressiva. No Brasil, estima-se que 17 milhões de pessoas recebem o mesmo diagnóstico.
Segundo Maria Rita Khel, o aumento da depressão na sociedade ocidental pode ser visto como um sintoma social, ou seja, um indício de que algo na sociedade não está funcionando. O depressivo seria uma caixa de ressonância do desajuste de sua época. Ao mesmo tempo, representaria uma busca de mudança ou de cura nesta sociedade. Uma tentativa de reorganizar o sentido perdido.
Para Horwitz e Wakefield, o homem moderno fecha os olhos para a sabedoria do passado e se engana não somente de tristeza, mas também de felicidade. Remédios são receitados como parte de uma ideologia, mais do que de uma ciência. Vivemos numa sociedade que não tolera a tristeza
Somos solicitados incessantemente ao Gozo e à Alegria, veiculados principalmente através de mensagens publicitárias. A imaginação é colonizada por imagens de felicidade que não nos trarão felicidade. Ainda assim, todos nós buscamos as fontes de felicidade: o paraíso, o nirvana, a iluminação, um prato de comida ou o carro do ano.
Diante disso, quais são nossas escolhas e valores? Como fica a relação com o outro? Como e do que nos lamentamos?
Do que nos arrependemos?
DA AÇÃO E DO ARREPENDIMENTO
Se a depressão compromete o agir, o arrependimento se refere a uma ação ou a uma falta de ação.
Segundo Hannah Arendt, a ação apresenta em si duas fragilidades: não se pode controlar totalmente seus efeitos - a ação é imprevisível- e não se pode reverter o que se fez - a ação é irreversível.
BASES PARA A CRIAÇÃO
É interessante observar como Gilles Deleuze relaciona as mudanças da sociedade com a ação e o riso. Nos filmes de Jaques Tati e de Jerry Lewis, os dois comediantes do pós-guerra, em países diferentes e sem influenciar um ao outro, criam personagens estrangeiros às situações que os rodeiam, às lógicas novas que os escapam. Não se pode mais agir. Não há mais ação. A impossibilidade de agir configura-se em cada um deles de forma diferente e vai empurrar a situação até o desastre. A catástrofe provoca o riso, ancorada numa perspectiva mais contemporânea.
Queremos explorar como os aspectos do mundo exterior - valores, qualidade de vida, mudanças sociais- tendem a se confundir com os processos emocionais do indivíduo. E como os processos do indivíduo se refletem no mundo que os cerca.
Investigar cenicamente.
Os mecanismos da ação.
Aquilo que incapacita para a ação.
Sintomas sociais.
Felicidade e tristeza. O riso "
A partir de segunda-feira, Norberto irá conduzir o primeiro workshop do projeto. Ele decidiu chamar o trabalho que fará com a gente de ECOS.
Falamos muito e ele abriu várias janelinhas luminosas na minha cabeça. Grande sintonia com as as inquietações que motivaram este projeto.
Ele falou muito de uma página em especial do texto que lhe enviamos. Compartilho com vocês:
TEMA
“Na verdade, não sei por que estou tão triste”
O Mercador De Veneza, William Shakespeare
DA TRISTEZA
BASES PARA A CRIAÇÃO
A primeira fala da controversa peça de Shakespeare toca-nos particularmente: discorre sobre uma tristeza de causa desconhecida. Citando reportagem de Fernando Eichenberg: “Na Antigüidade greco-romana, médicos como Hipócrates (460-377 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) já faziam a distinção entre "distúrbio da tristeza sem causa" e "tristeza normal com causa". O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) definiu a melancolia, uma variante da tristeza, como "a felicidade do estar triste". Na definição enciclopédica de Diderot era "o sentimento habitual de nossa imperfeição". Em 1958, o cirurgião-geral L. E. Burney já alertava que "problemas do cotidiano" não podem ser "solucionados com uma pílula".
Se, durante séculos, o sofrimento teve algum valor ou sentido hoje parecemos estar imersos numa epidemia depressiva. De acordo com dados da OMS, no ano de 2020, a depressão será a segunda maior causa de incapacitação para o trabalho (atrás somente das doenças cardíacas). Nos EUA, uma em cada oito crianças é diagnosticada como depressiva. No Brasil, estima-se que 17 milhões de pessoas recebem o mesmo diagnóstico.
Segundo Maria Rita Khel, o aumento da depressão na sociedade ocidental pode ser visto como um sintoma social, ou seja, um indício de que algo na sociedade não está funcionando. O depressivo seria uma caixa de ressonância do desajuste de sua época. Ao mesmo tempo, representaria uma busca de mudança ou de cura nesta sociedade. Uma tentativa de reorganizar o sentido perdido.
Para Horwitz e Wakefield, o homem moderno fecha os olhos para a sabedoria do passado e se engana não somente de tristeza, mas também de felicidade. Remédios são receitados como parte de uma ideologia, mais do que de uma ciência. Vivemos numa sociedade que não tolera a tristeza
Somos solicitados incessantemente ao Gozo e à Alegria, veiculados principalmente através de mensagens publicitárias. A imaginação é colonizada por imagens de felicidade que não nos trarão felicidade. Ainda assim, todos nós buscamos as fontes de felicidade: o paraíso, o nirvana, a iluminação, um prato de comida ou o carro do ano.
Diante disso, quais são nossas escolhas e valores? Como fica a relação com o outro? Como e do que nos lamentamos?
Do que nos arrependemos?
DA AÇÃO E DO ARREPENDIMENTO
Se a depressão compromete o agir, o arrependimento se refere a uma ação ou a uma falta de ação.
Segundo Hannah Arendt, a ação apresenta em si duas fragilidades: não se pode controlar totalmente seus efeitos - a ação é imprevisível- e não se pode reverter o que se fez - a ação é irreversível.
BASES PARA A CRIAÇÃO
É interessante observar como Gilles Deleuze relaciona as mudanças da sociedade com a ação e o riso. Nos filmes de Jaques Tati e de Jerry Lewis, os dois comediantes do pós-guerra, em países diferentes e sem influenciar um ao outro, criam personagens estrangeiros às situações que os rodeiam, às lógicas novas que os escapam. Não se pode mais agir. Não há mais ação. A impossibilidade de agir configura-se em cada um deles de forma diferente e vai empurrar a situação até o desastre. A catástrofe provoca o riso, ancorada numa perspectiva mais contemporânea.
Queremos explorar como os aspectos do mundo exterior - valores, qualidade de vida, mudanças sociais- tendem a se confundir com os processos emocionais do indivíduo. E como os processos do indivíduo se refletem no mundo que os cerca.
Investigar cenicamente.
Os mecanismos da ação.
Aquilo que incapacita para a ação.
Sintomas sociais.
Felicidade e tristeza. O riso "
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