quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O GUARDA-CHUVA DE BUSTER KEATON



Numa pequena cena de "Coração de Estudante", Buster Keaton, encharcado da cabeça ao pés numa ocasião extremamente formal, tenta fechar seu guarda-chuva. Tenta, tenta de novo. Não consegue. O homem ao seu lado, num gesto de gentileza, toma o guarda-chuva, fecha-o com grande facilidade e o devolve a Keaton. Abismado, Keaton abre o guarda-chuva novamente para tentar entender o que aconteceu. Examina. E depois de mais esforço Keaton consegue fechá-lo sozinho e então, orgulhoso de si mesmo, abre o guarda-chuva novamente só para demonstrar ao outro homem sua nova habilidade. Desta vez, não consegue mais fechar o guarda-chuva. E por aí vai...

Este lazzi se desenvolve: um objeto que não se domina, a tentativa infrutífera, o sucesso casual e inesperado, a impossibilidade de controle, a inferiordade diante do outro, a frustração diante de sua própria imperfeição (que o outro nem vê)...
Uma descrição como esta poderia nos fazer pensar em um drama.
Mas este pequeno trecho de jogo é hilário.

Se a graça tem a ver com o crescendo da situação, o ritmo, as frustrações, o inesperado, o riso acontece também por um estado do ator.

Pra pensar, segue o abstrato do paper de Alex Clayton “The Layering of Intention: A New Theory of Comic Performance” . Alex é o autor de The Body in Hollywood Slapstick.
Acho que dá conta de uma dimensão importante do jogo cômico, que tem a ver com a não-identificação:
"In thinking about what it is that makes a performance comic (as distinct from, say, straightforwardly dramatic or accidentally amusing), one necessarily comes up against the notion that comic performance contains and reveals an intention to amuse, something I would like to call the comic “twinkle” (like a “twinkle” in the performer's eye, difficult to pinpoint but impossible to ignore). How is it that comic intention can be made visible — that is, how is it brought to emerge as an intention within a specific generic and tonal context? This matter can only be resolved through close scrutiny and sustained reflection upon particular comic moments. In the process we find that intention is often complicated by a strategy of “doubled performance” wherein an actor plays a character who is herself performing (in order, say, to impress, or to seduce). Working through varied examples from the history of screen comedy, this paper proposes a new theory of comedy which identifies the layering of intentions and personae as a key dimension of the comic effect. The theory is set forward to develop our understanding and appreciation of comic performance, aiming to contribute to a language of analysis. It should also allow us to recognise how comedy so often works to satirize the performative dimensions of social life."


Deleuze, em uma aula anos atrás, analisou a evolução da ação no cinema cõmico, indo de Keaton a Jerry Lewis. Acabou citado em 9:50 Qualquer Sofá...e nós seguiremos seus passos. Nossa pesquisa inclui estudar a estrutura do jogo em filmes dos grandes cõmicos do cinema. Keaton, Tati, Jerry Lewis são esses seres abismados diante de um mundo que não compreendem nem dominam. Muito como a gente hoje.
Há a diferença entre agir sobre o mundo e ser envolvido pelo turbilhão do mundo. Buster Keaton é mestre incontestável e transita nestas duas esferas... Age até o fim de seus esforços. E o ser mais inadequado se transforma no grande salvador do mundo.
Já assistimos A General, Capitão Bill Jr, Coração de Estudante, Sete Dias, de Buster Keaton.

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